O que uma campanha ruim nos ensina sobre design

A campanha da marca Jendayi Cosméticos causou um alvoroço no mercado publicitário por falar de forma inadequada sobre o desastre ambiental de responsabilidade da Vale em Brumadinho.

A marca foi rapidamente alvo de todas as reclamações possíveis pois utilizou modelos cobertos de barro mas com poses e feições de “moda” o que diminuiu a seriedade do assunto, com um texto “A dor também é nossa” e “Vamos até o fim”.

Pois bem, vi um texto do Felipe Morais falando sobre o amadorismo pela falta de desejo em se aprender, outro texto do Ivan Lacerda trata como a empatia virou moda mas não é aplicada, nos dois casos eu vejo uma grande com relação ao design pela grande falta de entendimento de quem são os usuários finais e do possível impacto cultural e moral da campanha. Um bom projeto de comunicação e design se preocupa muito com isso do momento zero.

Design é “invenção cultural” segundo Jack Schulze, e nesse sentido o que vemos e uma grande falta de entendimento de aspectos simples culturais que deveriam ser atendidos. Empatia, análise de risco, conhecimento dos usuários, benchmark, testes de conceito, tudo isso são ferramentas de design que poderiam ser utilizadas para entender melhor se fazia sentido lançar a campanha ou não.

O achismo é como a cultura, que “come o planejamento no café da manhã”, e que faz campanhas assim. Mais do que só um entendimento melhor de mercado, conhecimentos de marketing digital e design, a falta de uma cultura de melhor entendimento de cenário mais amplo é muito é o modelo que empera.

Pra mim fica o aprendizado que design pode ser um parceiro muito importante e útil dentro de qualquer esfera, e que nós do design temos que verdadeiramente mostrar nosso valor para todos e não só entre nós da mesma prática.

Sendo assim, penso em 4 aspectos que poderiam ser aplicados para essa marca e também nos ensinam muito sobre design.

  1. Empatia não pode ser da boca pra fora. Empatia é mais que andar com a sandália dos usuários, é mais do que viver a vida do usuário, é além de tudo isso entender o valor social das ações de uma empresa e o impacto cultural e social que pode ser criado.
  2. Conhecer seu usuário (e o contexto real de algum assuno) é a melhor forma de economizar dinheiro. Como dizia Steve Krug, “É 100% melhor testar com uma pessoa do que não testar com nenhuma”, um teste rápido economizaria alguns milhares de reais (ou mais) dessa marca.
  3. Experiência (e nessa eu me repito sempre) não é só quando você usa um App, quando você vai em uma loja, quando compra online. Experiência é TUDO que a marca oferece, seja uma campanha, seja um post no Facebook. Keith Harvey cita que “Experiência é a medida de fricção entre o usuário e seu objetivo”, se o usuário tem o objetivo de conhecer, de interagir ou usar a marca, uma campanha dessa atrapalha a experiência pois gera o que chamamos de fricção emocional.
  4. Pontos de vista diferentes! Isso não é uma frescura dita pelo povo de design, é uma forma de ser mais criativo, de prever erros, de entender melhor o cenário, contexto, necessidades, a tal da “big picture” ou “visão holística” é ponto chave para um trabalho de sucesso.

Não deve ser difícil fazer uma análise básica, porém temos uma cultura pautada na necessidade de sabermos tudo. Muitas vezes me perguntam “Você que conhece de usuário, o que eles mais gostam?” Eu calmalmente respondo depende (o que deixa o povo assustado) porque eu sei as perguntas, não as respostas.

Ou seja, se contrata um profissional com o objetivo desse profissional ser o dono da verdade, quando na verdade a cultura deveria ser de aprendizado, de dúvidas, de investigação e não de puras certezas.

Na RIOT, nós tinhamos um grupo de trabalho que carinhosamente chamávamos de Departamento do VDM (Vai dar merda), nesse grupo estavam tecnologia, design, data inteligence e quem mais quisesse participar, e toda a vez que nós percebíamos algo “suspeito”, nos acionávamos para evitar crises e problemas antes mesmo do problema sair da porta da agência ou de uma caixa de email. Menos dor de cabeça e noites de sono tranquilas.

Eu acredito muito que um trabalho com o envolvimento de muitas pessoas é o melhor caminho para a criação de algo sólido. Poderia ser um excelente caminho para a Jendayi, que agora está procurando se organizar para trazer uma solução que diminua o impacto da campanha.

Para a Jendayi, é o momento de coletar todos esses feedbacks, conversar com os usuários da marca, olhar como os concorrentes estão se posicionando, pensar em um novo plano de ação e TESTAR o plano de ação antes de colocar ele pra rodar.

E também pensar em toda a escala, lojas, canais digitais, embalagens, branding, tudo pra que a experiência seja mais rica e inteligente.

Espero que eles tragam designers para a discussão das próximas vezes.

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